Os Sapatos de Aristeu reverencia o cinema enquanto imagem-discurso. Os poucos diálogos são menos importantes que a intensidade dos planos de um preto-e-branco que quer ser poético. A narrativa se constrói, sim, mas de forma fragmentada em takes quase geométricos com evidente analogia ao cinema impressionista - como o de Carl Th. Dreyer em A Paixão de Joana D’Arc.
Silêncio. O valor do não-dito. Mas, de repente, Gracias a La Vida - música eternizada por Mercedes Sosa – na voz da personagem de Phedra D. Cordoba vem como o epitáfio de Aristeu: o travesti que “precisou separar-se da família para ser quem era” (palavras da própria mãe), e que ao juntar-se novamente – morto – passa por um processo de retorno ao gênero masculino pelas mãos da matriarca, que não suportaria enterrá-lo de outra forma que não como homem.
O curta trata da transfiguração da vida em morte, morte essa que, para a personagem-título, seria apresentar-se com terno, calça social, nenhuma maquiagem, cabelos curtos, e... sapatos masculinos. O sapato feminino, que uma de suas amigas travestis lhe calça ao final, é a redenção, uma metáfora da vida que já não lhe é presente.
Julia Portella
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Um comentário:
Querida Julia,
Tô postando comentários nada contidos, digo isso por que as impressões das críticas de vocês chegam a mim como complemento e muitas vezes complementos reveladores sobre um quebra-cabeça emocional, talahado num tipo de dramaturgia autera que eu acredito. A morte, veia central da sua crítica, é o grande tema do meu filme, morte e redenção que não se conseguiu atingir em vida. Pena sinto no meu coração muita pena de quem não consegue em vida dizer ou perdoar quem a gente ama. Obrigado,
René Guerra
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